
Uma menina de seis anos, filha de emigrantes portugueses em França, vive indocumentada e sem nacionalidade desde que nasceu, apurou hoje a Lusa.
Aparentemente, ninguém parece ter solução para o caso desta criança - que actualmente vive em Freixo de Espada á Cinta - apesar dele ser do conhecimento de autoridades oficiais, em Portugal e França.
A menina nasceu em França, filha de emigrantes portugueses e tem vivido, entre aquele país e Portugal, sem nunca ter sido registada.
O único documento comprovativo da sua existência - apesar de já ter atravessado Espanha, país onde viveu alguns dias - é um assento de nascimento da comarca francesa de Montpellier.
O documento pouco vale para esta criança, que não existe legalmente nem é reconhecida como cidadã de qualquer estado.
"Uma menina apátrida, meu Deus", é a forma como a professora da criança, Sara Falcão, exterioriza a sua "grande apoquentação" com a situação da menina.
"É preciso alguém com bom senso que diga de uma vez por todas como resolver isto", reclama a docente.
Mas os tribunais não conseguiram ainda dar resposta, apesar de o caso ser conhecido dos meios judiciais, português e francês.
Um tribunal francês já se pronunciou sobre a menina "entregando o poder paternal à mãe" e concluindo que "o pai está a incumprir o regime de visitas e a reter ilegalmente a menor por a ter trazido para Portugal sem autorização da progenitora".
Porém, este tribunal é omisso sobre o facto da menina não estar registada, o que não mereceu também ainda nenhum procedimento, no Tribunal de Torre de Moncorvo, onde chegou, no final de 2007, uma carta rogatória de França a pedir para notificar o pai do processo, em França, sobre o poder paternal.
A própria Comissão de Protecção de Menores de Freixo de Espada à Cinta não viu motivo para abrir um processo quando a pequena chegou à escola indocumentada, já tinha começado o ano lectivo.
Segundo disse à Lusa a professora Arminda Neto, membro daquele organismo, a comissão "questionou-se por a menina não estar registada e pediu ao pai para tratar do assunto, mas não entendeu tratar-se de uma situação de risco".
"A menina está bem tratada, feliz e é assídua na escola", garantiu a docente.
Só depois de contactada pela Lusa é que admitiu ter tido conhecimento de que estava a decorrer em tribunal um processo de regulação do poder paternal em que o pai é acusado pela mãe de retenção ilegal da menor.
Ainda assim, segundo Arminda Neto, "o caso transcende" o que a comissão entende ser da competência dos tribunais.
O presidente da comissão, José Santos, disse à Lusa que o caso está a ser acompanhado, mas escusou-se a falar sobre o mesmo por envolver uma menor.
No Tribunal de Torre de Moncorvo, a comarca competente, o caso é conhecido mas também não motivou a abertura de qualquer processo.
Aquele tribunal limitou-se a notificar o pai da carta rogatória de França.
"Eu ainda lhe perguntei o que dizia, mas eles disseram que não entendiam francês e pediram-me só para assinar", contou à Lusa o pai.
A documentação que o tribunal de Moncorvo recebeu e a que a Lusa teve acesso, descrevia, em francês, o fundamento e conteúdo da notificação, em que é claro tratar-se de uma menor.
"Até podia ser um criminoso perigoso que nem me prendiam", referiu o pai, que se recusa a entregar a menina à mãe, a quem acusa de "só querer a filha quando precisa de dinheiro".
A criança, segundo disse, "viveu quase sempre" com a família paterna "não conhece a mãe, nem quer ficar com ela".
A mãe, Susana Costa, veio a Portugal e tentou levar a filha, tendo sido impedida por vigilantes encarregados de assegurar que as crianças chegam à escola em segurança.
A progenitora pediu ajuda ao Ministério Público de Torre de Moncorvo, mas sem sucesso.
No entanto, um magistrado do Ministério Público explicou à Lusa que "a decisão do tribunal francês é válida em Portugal, no âmbito de uma convenção europeia".
Porém, segundo disse, "para ter força executória imediata tem de vir acompanhada por uma certidão emitida pelo Estado francês".
"Sem esta certidão, a cópia da sentença não é suficiente para as autoridades portuguesas agirem", acrescentou.
Com ela, basta entregar toda a documentação na autoridade central francesa competente que a remete para a Direcção-Geral de Reinserção Social portuguesa, a quem compete fazê-la executar.
O pai assegura que, apesar de ter tentado, ainda não conseguiu "descobrir" o que fazer para registar a filha.
Escreveu para a Conservatória dos Registos Centrais e teve como resposta que para desencadear o processo de inscrição de nascimento da menina tem de "provar ser o pai e o exclusivo detentor do exercício do poder paternal".
Nelson Galas reconhece o desleixo dele e da mãe, embora, segundo contou, tenham tentado registá-la logo que nasceu, em França.
Então, as autoridades francesas não aceitaram o registo por ambos os progenitores serem portugueses, alegando que a criança tinha de ser registada em Portugal.
Pouco depois o casal separou-se e, cada um por si, ainda não conseguiu fazer o registo.
Embora o poder paternal tenha sido entregue à mãe, qualquer decisão sobre a criança, desde uma excursão a uma intervenção cirúrgica, tem de ser conjunta.
A solução aparentemente mais fácil, e mais rápida, para legalizar a menina seria os progenitores entenderem-se, o que ainda não foi possível.
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