
Lembra-se de um famoso anúncio televisivo dos anos 80, dedicado a uma marca de café solúvel, em que uma família acordava sorridente, arranjava-se a cantar e sentava-se à mesa para tomar em conjunto o pequeno-almoço, sempre na maior harmonia? Um cenário assim, de facto, só acontece na ficção.
No mundo real, de todos os dias, fazer levantar as crianças a horas é só a primeira de muitas dificuldade que os pais têm de enfrentar até poderem fechar a porta atrás de si, a caminho das escolas e empregos.
Aviso à navegação: as manhãs caóticas não são um exclusivo da sua família, caro leitor. Acontecem a toda a gente e não acredite em pais que lhe digam que nunca abriram os olhos com vontade de os voltar a fechar, pois sabem que têm diante de si a árdua tarefa de tirar da cama, lavar, vestir e alimentar crianças ensonadas e, ao mesmo tempo, preparar-se para o dia que começa.
Se a generalização das más experiências não lhe serve de grande consolo, pelo menos tem uma vantagem. Permite ir experimentando várias tácticas para combater os atrasos, a má disposição, as discussões e o stresse matinais, que conseguem perturbar o resto do dia a crianças e adultos.
Para a psicóloga Ana de Ornelas, tudo começa na atitude dos adultos perante as manhãs. «Se os pais tiverem um acordar difícil, essa má disposição reflecte-se nas crianças e poder ter como resultado um confronto, logo pela manhã. À semelhança de tantas outras coisas, também aqui os mais novos são reflexo dos mais velhos», afirma, prosseguindo: «que criança consegue acordar de forma calma, se os pais não o conseguirem fazer?».
Assim, se a sua relação com o despertador não é das melhores, tem de se mentalizar para deixar de acordar ao mesmo tempo que os mais pequenos. Se o seu levantar acontecer, pelo menos, 15 minutos mais cedo, provavelmente já terá deixado os resmungos para trás, tomado duche, vestido e assumido uma expressão serena quando tiver de proferir a fatídica frase: «Bom dia, são horas de acordar!».
Existe quem se levante assim que ouve estas palavras, mas, infelizmente para os pais com um horário a cumprir, tratam-se de membros de uma minoria. Para grande parte das crianças, sair da cama, especialmente nos dias de semana, não é nada fácil.
Há, porém, uma circunstância básica para ajudar a levantar bem: dormir o suficiente. E isto aplica-se tanto aos mais novos - entre os dois e os quatro anos devem descansar pelo menos 12 horas seguidas e entre os quatro e os oito o sono deve durar, no mínimo, 10 horas - como aos mais velhos. E ninguém melhor do que os pais sabe de quanto tempo necessitam para enfrentar mais um dia sem grandes sacrifícios.
«Se tudo fosse assim tão simples...», pode estar a pensar neste momento. Pois é, normalmente à primeira chamada seguem-se outras, num tom de voz cada vez mais tenso, até que, por vezes, a última alternativa é puxar os lençóis e os cobertores para trás e aguardar pelos protestos mais ou menos inflamados.
Como este processo tem duração muito variável, o melhor é contar com um bom intervalo até as crianças saírem do quarto. Se não demorar tanto, óptimo, são minutos preciosos que se ganham nesta autêntica «corrida contra-relógio».
«É claro que é impossível prever as coisas ao minuto, mas as crianças, especialmente as mais pequenas, funcionam muito melhor se souberem que existem rotinas que acontecem todos os dias e seguem uma determinada ordem. Dá-lhes segurança e tranquilidade», refere Ana de Ornelas. Por isso mesmo, o planeamento é importante.
Véspera Organizada
Uma manhã com o mínimo de stresse começa na véspera ou, mais propriamente, na noite anterior. Antes da hora de deitar deve ser preparado tudo o que for necessário para o dia seguinte: roupa, sapatos, agasalhos, mochilas escolares e equipamentos desportivos ou instrumentos musicais. E, à excepção do material escolar, este é um bom princípio também para os adultos...
«É importante que a criança tenha um papel activo no seu próprio acordar», diz Ana de Ornelas, adiantando que «se ela for solicitada a organizar os livros e cadernos, ou a escolher as peças de vestuário e o calçado, sente-se mais crescida, responsabilizada, importante e, muito provavelmente, acabam-se as birras matinais sobre as roupas...».
A psicóloga vai mais longe ao afirmar que «nas alturas do ano em que o clima está mais incerto é bom que sejam preparadas duas mudas alternativas, mais quentes ou mais frescas». Esta táctica tem duas vantagens, ao prevenir todas as eventualidades e ao ajudar a perceber os fenómenos meteorológicos, especialmente nos casos das crianças em idade pré-escolar.
Como é altamente improvável que receba visitas de muita cerimónia entre o momento em que a família se deita e o despertar, porque não deixar a mesa do pequeno-almoço familiar já posta? «Esta é mais uma tarefa em que as crianças gostam de auxiliar e ajuda a transmitir a tal sensação de rotina que é tão importante, em especial no arranque do dia», relembra Ana de Ornelas.
«É possível usar esta circunstância como um atractivo ao levantar. Basta dizer à criança que, de manhã, terá uma surpresa debaixo do prato ou da caneca do leite. Não é preciso ser um brinquedo ou outro objecto novo. Por vezes, basta encontrar qualquer coisa de que eles tenham perdido o rasto para lhes dar uma alegria logo de manhã», propõe a psicóloga, especializada em aconselhamento familiar.
Voltemos à publicidade de há 20 anos. Não é fácil sentar toda a gente à mesa do pequeno-almoço, mas vale a pena tentar, já que é um dos melhores momentos para conversar, nem que seja apenas por cinco ou dez minutos. Para além disso, permite controlar melhor o tipo de alimentos e a quantidade que as crianças ingerem e também leva a que os adultos não saiam de casa em jejum, ou apenas com um café no estômago.
As conversas matinais também são importantes para enquadrar o dia que começa. Há crianças para quem é importante falar com os pais sobre o que se vai passar nas horas em que vão estar separados, enquanto que para outras o divertido é saber os planos que existem para o final do dia. Seja como for, «os adultos devem esperar que sejam as crianças a fazer as perguntas, ao invés de começarem a manhã a debitar autênticas agendas», adverte Ana de Ornelas.
Se possível, a televisão não deve ser um dado na equação das manhãs. «A maior parte das crianças atrasam-se muito mais a vestir-se e a comer se estiverem distraídas pelo ecrã», frisa Ana de Ornelas. Mas a TV pode funcionar muito bem como recompensa por uma tarefa bem desempenhada.
«Se, depois de tudo pronto, ainda sobrarem uns minutinhos antes da hora de sair de casa, uns belos desenhos animados vêem mesmo a calhar!», diz a especialista para quem, nessas alturas «os adultos ganham tempo para os últimos pormenores, como por exemplo assegurar-se de que não se esquecem de nada importante».
Se leva os seus filhos à escola, a pé, de transportes públicos ou de carro, as manhãs têm mais tendência a «derrapar». Assim, porque não equacionar a hipótese de utilizar a carrinha, ou mesmo a boleia de pais dos colegas? «Saber que não se podem atrasar, porque transtornam terceiros, e ter a expectativa de encontrar amigos logo cedo pode ser um bom estímulo para ninguém se deixar ficar mais tempo na cama, no banho ou à mesa», diz Ana de Ornelas.
O poder do elogio
A gestão das necessidades, ritmos e capacidades de crianças de idades e temperamentos diferentes não é fácil durante todo o dia mas, pela manhã, parece uma tarefa ainda mais complexa.
Ana de Ornelas deixa um conselho: «Há que confiar muito no poder do elogio. Se uma determinada criança tem um acordar e uma manhã mais fácil, comparativamente a um irmão por exemplo, essa capacidade tem de ser exaltada ao máximo, fazendo-lhe ver que os pais confiam nela para os ajudar de forma efectiva».
Isto porque, perante todas as atenções que são dispensadas à criança que é mais trabalhosa, a mais cooperante pode achar que «está a ser menosprezada porque os pais não lhe ligam e não dão o devido valor aos seus esforços».
Nesses casos, uma boa opção combina «grandes doses de elogio e mimo, nem que seja apenas na forma verbal, por falta de tempo. Frases como 'tu és o máximo, contigo consigo chegar a tempo a qualquer lado!' fazem maravilhas», garante.
Se conseguiu sair de casa a tempo e horas e as crianças já estão alegremente na escola que tal tirar um momento para si? Se for possível, procure relaxar a caminho do emprego ou pare para tomar algo antes de entrar ao serviço. Isto ajuda a separar as águas e a iniciar o dia de trabalho de uma forma mais calma e produtiva.
Mesmo usando todas as estratégias, é impossível evitar por completo as manhãs difíceis. Hão-de sempre acontecer, de vez em quando, birras para sair da cama quente, embirrações com as meias escolhidas na véspera, cereais que se eternizam nas taças ou uma bulha entre irmãos. Não desespere.
Respire fundo, tente acalmar as hostes e, se não conseguir, ou a situação lhe parecer mesmo absurda, tente sorrir. «Não há como o humor para nos ajudar em alguns momentos que parecem saídos de um filme», afirma Ana de Ornelas. E, afinal, haverá sempre outras manhãs para as coisas correrem melhor.
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