
A história já se tornou um clássico nas habituais reuniões de família. Há vinte anos, na alvorada das ecografias em Portugal, Maria e António esperavam ansiosamente o segundo filho, que todos os médicos garantiam ser uma menina. Para grande gáudio do casal, que com um Pedro de cinco anos em casa, assumia plenamente desejar o tradicional «casalinho». O parto foi rápido e quando a enfermeira chegou com o bebé surgiu a pergunta sacramental: «Então, como correu? A menina e a minha mulher estão bem?». Mas a resposta foi tudo menos a prevista. «Menina? Não tem aqui nenhuma menina, tem sim um rapagão loirinho!». É aí que a reacção se transformou numa lenda familiar. «Se é um menino não é meu filho! Onde é que está a menina?».
Ainda hoje Maria não contém as gargalhadas quando recorda a «cena» que o marido protagonizou no hospital de Torres Vedras. «E o mais engraçado é que o Ricardo nasceu com a cara do pai e, ainda hoje, é muito mais parecido com ele que o Pedro. Claro que os nervos, à mistura com o facto de estar perfeitamente convencido de que era uma menina, contribuíram para aquela reacção, mas bastou olhar para o filho para cair nele e hoje é o primeiro a contar o disparate».
Quando um casal revela que está à espera de bebé, especialmente se a gravidez ainda é recente, uma das curiosidades mais comuns é saber se preferem um menino ou uma menina. E a resposta também é muito habitual: «O que é preciso é que nasça saudável!». Mas até que ponto o politicamente correcto mascara desejos que hoje são quase inconfessáveis?
Processo de idealização
A edição online do jornal britânico The Times publicou recentemente um artigo que desvenda os meandros daquilo que alguns especialistas definem como «gender desappointment» (desilusão com o sexo do bebé, em tradução livre). E revela vários exemplos em que os casais, para além de assumirem a sua frustração, admitem estar dispostos a fazer tudo o que seja possível para terem a tão desejada menina. Ou menino.
No entanto, quase todos os entrevistados pelo jornal confessam terem vergonha de revelarem estes sentimentos em contexto social, já que temem ser classificados como «ingratos». Uma mãe de cinco rapazes, há muito desejosa de ter uma menina, afirma mesmo: «Tenho um marido fantástico, filhos lindos e vivemos numa casa confortável. Mas cada vez que se confirma o sexo dos bebés, não posso evitar ficar triste. É claro que este sentimento é passageiro e adoro os meus rapazes, porém está lá uma mágoa pequenina.»
Para a psicóloga Catarina Mexia, mesmo antes de a gravidez acontecer, os futuros pais acalentam expectativas para o filho e é «natural que, nesse processo, o sexo seja um dos «parâmetros da idealização». O casal «sonha o tipo de relação, a educação e a evolução da criança e isso é também feito a partir do pressuposto de um determinado género».
Helena afirma nunca ter sonhado com um futuro filho antes de engravidar mas, a partir do momento em que ficou à espera de bebé, não admitia «qualquer outra hipótese» que não fosse a de um rapaz. «Ainda hoje não sei porque razão tive este desejo tão forte, até porque para o pai e restante família não havia qualquer preferência, mas o facto é que aconteceu. E chorei bastante quando a ecografia confirmou que se tratava de uma menina». Para o exterior vendeu a ideia de que «também me era indiferente o sexo, mas até me conformar com a ideia ainda demorou umas semanitas. Hoje, ao olhar para a Filipa, a pergunta que me faço é: ‘como foi possível passar cinco segundos sem a desejar?’».
É natural, afirma Catarina Mexia. «A certeza do sexo do bebé acontece cada vez mais cedo, o que significa que os pais têm bastante tempo para se encantarem com aquele filho mesmo antes do nascimento, afastando as expectativas iniciais não cumpridas. É aí que a ‘criança imaginada’ começa a revelar-se em termos de futura personalidade e do tipo de relacionamento que a família vai criar e, caso não existam outras questões, do foro patológico, este é um capítulo encerrado na altura do parto», considera a terapeuta familiar.
O obstetra Alberto Fradique partilha esta visão. «Mesmo se o desejo inicial é outro, quando o sexo é confirmado a esmagadora maioria dos casais aceitam calmamente o que o destino lhes reservou. A partir desse momento, as preocupações centram-se na evolução da gravidez e na vitalidade do bebé». Ou seja, a insistência numa determinada preferência, «embora exista, não é felizmente a norma e não se prolonga no tempo, com excepção de alguns casos muito pontuais, que se relacionam com questões culturais ou outros problemas».
Sonhos desfeitos
O sonho de um enxoval cheio de roupinhas cor-de-rosa ou azuis é para a maior parte dos futuros pais apenas isso: um devaneio que, caso a realidade o desminta, é mais ou menos rapidamente relegado para «as pequeníssimas frustrações com que a vida nos brinda constantemente e que nos são tão úteis», como considera Catarina Mexia.
Mas nem sempre isso acontece. Ouvida pelo The Times, a psiquiatra Joyce Venis estima que em cerca de 40 por cento dos casos de depressão materna pré ou pós-natal existe uma componente de «gender disappointment».
«O que eu digo a estas mulheres é que, em primeiro lugar, têm de combater o sentimento de culpa e assumirem o seu desejo, já que isso não significa não amarem o bebé que têm ou serem mães menos competentes. Significa que são humanas e partilhar estes sentimentos-tabu pode ser o que precisam para seguir em frente», remata.
Tiro ao alvo
Uma alimentação mais rica em determinados alimentos, suplementos de todos os tamanhos e feitios, calendarização rígida das relações sexuais, duches íntimos para garantir que o meio vaginal está com o pH ideal para conceber um menino, ou uma menina… Existem mil e uma práticas que afirmam resultar no bebé mais desejado, mas Alberto Fradique refuta-as todas, com excepção de uma. «Está cientificamente provado que os espermatozóides masculinos, que são mais dinâmicos mas mais frágeis que os femininos, beneficiam de uma relação sexual muito próxima da ovulação. No entanto, é extremamente difícil determinar o momento exacto, o que transforma esta probabilidade de ‘acertar no alvo’ numa hipótese quase académica. E ainda bem!».
Mitos e mezinhas
Pode até não haver qualquer preferência sobre o sexo do bebé que aí vem, mas existem poucas grávidas que resistam a experimentar uma ou mais das «técnicas» que afirmam garantir uma resposta. Ou então, são objecto de um exame minucioso, à procura dos sinais que indiquem se é menino ou menina. Descobrir estes pedaços de sabedoria popular é divertido, mas não damos quaisquer garantias de que acertem…
Será menina se:
- Tiver desejos de doces ou de fruta.
- Pendurar um anel num fio, colocá-lo sobre a barriga e o anel andar em círculos.
- Se se sentir menos bonita durante a gravidez.
- A barriga for alta e larga.
- A linea negra (traço escuro que algumas mulheres desenvolvem) for do osso púbico até ao umbigo.
- O cabelo estiver mais seco e fraco.
- Dormir mais para o lado direito.
- A mama esquerda parecer maior que a direita.
- A pele do rosto parecer estar em pior estado.
- Não tiver pés frios.
- O ano da concepção e a idade da mãe forem ambos números pares, ou ambos números ímpares.
- O coração do bebé tiver um ritmo cardíaco com mais de 140 batimentos.
- A cara ficar mais redonda e inchada.
- Se comer um dente de alho e não sentir o cheiro.
- Sonhar que vai ser mãe de um menino.
Será menino se:
- Tiver desejos de comida amarga ou salgada.
- Pendurar um anel num fio sobre a sua barriga e o anel mexer-se em linha, da frente para trás.
- Se se sentir mais bonita durante a gravidez.
- A barriga for mais baixa e pontiaguda.
- A linea negra for do osso púbico até à zona dos pulmões.
- O cabelo crescer mais depressa.
- A mama direita parecer mais larga que a esquerda.
- Dormir mais para o lado esquerdo.
- A pele ficar mais bonita.
- Os pés ficarem mais frios.
- O ano da concepção for um número ímpar e a idade da mãe for par ou vice-versa.
- O ritmo cardíaco do bebé for menor que 140 batimentos.
- A cara parecer mais comprida e estreita.
- Se comer um dente de alho e conseguir notar o cheiro durante o resto do dia.
- Sonhar que vai dar à luz uma menina.
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