domingo, 8 de março de 2009

Sexo: Brincar com o fogo...



Começam cedo, vivem a sexualidade sem tabus e são monogâmicos em série. Mas muitos adolescentes já preferem prevenir em vez de remediar.

"Tinha 13 anos quando tive relações sexuais pela primeira vez. Sentia muita curiosidade. Mas usei o preservativo, claro, não queria ficar grávida." Inês, actualmente com 18 anos, sorri com ar matreiro, provocando as gargalhadas dos colegas sentados à sua volta, todos alunos da Escola Secundária de Sacavém. Como ela, Naíza, Fábio e Hugo estão reunidos na biblioteca da escola por terem aceite falar sobre sexualidade. Não há constrangimento, vergonha ou qualquer tipo de reserva. Os quatro conversam abertamente e reagem com naturalidade a todas as questões, mesmo as de foro mais íntimo.

Para quem, como Duarte Vilar, director da Associação para o Planeamento da Família (APF), investiga o tema há mais de vinte anos, este é o primeiro sinal óbvio da mudança dos tempos. "Nas últimas duas décadas assistiu-se a uma grande transformação" na forma como os jovens abordam a sexualidade. "Tornou-se uma coisa natural", esclarece o director da APF, a que não é alheio o facto "de os adolescentes viverem actualmente numa sociedade hiper-sexualizada", onde passou a existir uma oferta muito variada de conteúdos vocacionados para a sua faixa etária. Das séries televisivas (como o exemplo de "Morangos com Açúcar") às revistas para raparigas, como a recém-desaparecida "Ragazza" - sempre com chamadas de capa para os temas da sexualidade -, passando pela enorme facilidade no acesso aos sites de pornografia que a Net permitiu e pela própria publicidade, a cultura juvenil passou a incorporar nos seus códigos referências de cariz sexual.

Resultado? A idade em que os rapazes e raparigas iniciam a sua vida sexual tem vindo a baixar, em toda a Europa. Otília Roque, psicóloga na escola André de Resende, em Évora, justifica-o também pelo facto de "os jovens se afastarem da observação dos pais em idades mais precoces, nomeadamente com a banalização das saídas juvenis nocturnas".

Se estas transformações foram acompanhadas de uma melhor informação é a reflexão seguinte a fazer. Há a ideia de que os jovens correm demasiados riscos, traduzidos não só em gravidezes precoces, como em relações sexuais desprotegidas, não raras vezes associadas ao consumo excessivo do álcool. Neste contexto, não deixa de ser surpreendente que o mais recente estudo realizado pela APF em parceria com o ICS (Instituto de Ciências Sociais) - "A Educação Sexual dos Jovens Portugueses" (2008) - revele que, dos 42% dos jovens inquiridos que admitiram já ter tido relações sexuais "no contexto de relações amorosas ou ocasionais", a maioria afirma ter tido "comportamentos preventivos em matéria de gravidez não desejada e infecções sexualmente transmissivas". Para Duarte Vilar, co-autor do estudo, esta é a maior alteração em matéria de comportamento sexual dos adolescentes: "Nos últimos anos o uso da contracepção aumentou e é um dado adquirido que o método mais utilizado, antes dos 19 anos, é o preservativo."

Sexo: Brincar com o fogo

Gonçalo, prestes a fazer 16 anos, aluno do Liceu Francês em Lisboa afirma com toda a naturalidade que desde os 14 sai à noite sempre com dois preservativos na carteira. "A ideia foi do meu padrasto, que mos começou a dar sem grande conversa à volta do assunto." Esta iniciativa não o embaraçou e se não iniciou a sua vida sexual foi por "não ter ainda estabilidade amorosa", pois na sua idade "as relações duram pouco tempo". Não é à toa que esta geração já foi apelidada de "monogâmicos em série".

Perdeu-se - ou vai-se ajustando conforme as circunstâncias - a fantasia do par ideal. "A minha irmã tem 16 anos e ainda é virgem", afirma Naíza timidamente, para logo reforçar com veemência, "mas digo-lhe sempre para só aceitar ter relações quando ela quiser mesmo". Inês sabe o que a amiga quer dizer. "É verdade. Muitas miúdas aceitam perder a virgindade por causa da insistência dos namorados ou então porque as amigas já experimentaram e também não gostam de ser as únicas a nunca terem experimentado. Uma rapariga com 18 anos ser virgem... pode acontecer. Mas é raro", sentencia Inês.

A educação sexual também pode ter aqui um papel a desempenhar. O estudo de 2008 já citado sugere que um maior grau de conhecimento sobre o tema tende a retardar o início da vida sexual, além dessa aquisição de conhecimento "estar positivamente associada a alguns comportamentos preventivos e a uma capacidade de pedir ajuda, quando necessário".

Sexo: Brincar com o fogo

A gravidez indesejada encabeça a lista dos principais medos entre os jovens. "Nunca tenho relações sexuais sem preservativo", garante Hugo, de 18 anos, "embora a minha namorada por vezes até peça para eu não o usar. 'Tás maluca?', respondo-lhe sempre. Nem pensar." O fantasma da sida (entre as DST, é esta a que melhor conhecem) "é maior em termos teóricos", refere Otília Roque. "Mais facilmente um jovem se consegue colocar na situação da hipotética gravidez." Segundo dados do último relatório (2007) da Coordenação Nacional para a Infecção de VIH/Sida, não houve, nesse ano, casos diagnosticados de sida em jovens adolescentes (13-19 anos).

Em relação à gravidez precoce, a psicóloga Otília - também responsável pelo projecto Gravidez e Maternidade na Adolescência, Mamãs de Palmo e Meio - desdramatiza: "O número de mães adolescentes, sendo preocupante, não é necessariamente tão mau como parece", afirma, para justificar: "A crescente visibilidade do tema acrescentou-lhe dimensão." Os dados do INE conferem: em Portugal são cada vez mais raras as mães adolescentes. Nos últimos anos registou-se uma queda significativa - de 2,9% de mães grávidas entre os 15 e os 19 anos, em 1987, a taxa baixou para 1,7%, em 2006.

Naíza, grávida com 18 anos, ficou fora da estatística: "Usei o preservativo, mas tive azar, rompeu-se." Já lhe tinha acontecido antes, culminando na interrupção de uma gravidez. Desta vez o bebé foi assumido e vem a caminho. Em muitos outros casos, porém, a gravidez resulta da ausência de prevenção ou desconhecimento de como usar determinados métodos. Entre os amigos na escola de Sacavém, por exemplo, se os nomes dos anticonceptivos são conhecidos, a sua utilização gera confusão. "Também há aquele que as mulheres põem nos braços, não é?", pergunta Hugo, referindo-se ao implante anticoncepcional. Inês confirma: "Mas não sei se isso dói ou se podemos usar na nossa idade..."

Há outras falsas crenças difíceis de combater. Apesar de, como reconhece Duarte Vilar, "ter havido uma aproximação entre os comportamentos dos dois sexos", o papel da rapariga ainda está sujeito à moral masculina. Quem trabalha nas escolas em projectos como a Unidade Móvel, iniciativa apoiada pelo IPJ no âmbito do programa Cuida-te , não tem dúvidas em afirmar que "ainda vivemos num ambiente conservador". É Teresa Santos que o afirma. E dá exemplos: "Para os rapazes, se a rapariga não sangra na primeira relação é porque não era virgem." Naíza, por sua vez, lamenta que "as raparigas fiquem mal vistas pelos rapazes por trazerem preservativos nas carteiras, por acharem que isso significa que vão para a cama com qualquer um".

É a prova de que, em matéria de educação, ainda há um caminho grande a percorrer. Apesar de nos últimos anos terem sido lançados vários serviços com o objectivo de informar e orientar directamente os jovens em questões relacionadas com a saúde a a sexualidade - casos da Sexualidade em Linha e Lojas Ponto (do IPJ) e da Linha Opções (APF) -, Otília Roque reconhece que "para diminuirmos os comportamentos de risco é necessário desenvolver nos jovens outros tipos de competências".

Teresa Santos acrescenta: "Não basta dar informação, é preciso que ela seja adequada." Na formação que a levou a seis escolas de várias freguesias de Loures optou por usar uma abordagem participativa. "Em vez de darmos o conhecimento, os jovens exploram os temas connosco e descobrem por si. Percebemos, por exemplo, que, apesar de todos saberem o que era um preservativo, foi muito raro um jovem saber como colocá-lo correctamente".

Também Duarte Vilar é peremptório em afirmar que as matérias de educação sexual desenvolvidas nas escolas, geralmente incluídas na disciplina de ciência e de formação cívica "deixam muito a desejar". Para serem eficazes necessitavam de "uma maior regularidade e de ser menos técnicas. Tem de haver uma interacção com os alunos de modo a responderem a questões que os inquietam e ligadas aos seus quotidianos". A boa notícia, para o director do APF, é a recente aprovação de um projecto-lei que contempla 12 horas anuais, obrigatórias, de educação sexual nas escolas.

Para os jovens, toda a informação parece ser bem-vinda. "Todas essas ideias são boas", comenta Fábio, 16 anos. "Aprendemos sempre mais qualquer coisa e é mais fácil se for aqui na escola", ressalvando contudo que fala sobre sexualidade regularmente com o pai: "Faço-lhe uma pergunta e já sei que dá direito a levar com um jantar inteiro sobre o tema, mas tudo bem". Naíza, por sua vez lembra casos de colegas em que a vergonha atrapalha: "Elas até sabem que podem ir ao centro de saúde pedir pílulas e ter informação, mas depois há sempre alguém que as conhece... é chato. Preferem não ir."

As dúvidas acabam por ser tiradas entre amigos. A eles se recorre (quase sempre) em primeiro lugar quando se querem conselhos, esclarecimentos ou ajuda. Que há excessos, nenhum dos jovens o desmente. Exemplos extremos de saídas nocturnas que terminam em envolvimentos fortuitos e comportamentos de risco todos conhecem. Mas não se revêem neles como traço da sua geração.



Sexo, mentiras e adolescência

14 anos : início das relações sexuais dos rapazes

15 anos : início das relações sexuais das raparigas

86% das raparigas têm a 1.ª vez com namorados

64% dos rapazes têm a 1.ª vez com namoradas

96% destes jovens usaram preservativo

13% usaram a pílula

(Fonte: Estudo da APF realizado em 2008 com base em 2621 inquiridos)

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